Texto publicado nos Anais do II Simpósio Internacional de Análise Crítica do Discurso (USP, 2007).
O DISCURSO MERCANTILISTA NA PROMOÇÃO DO ESPANHOL NO BRASIL: UMA ABORDAGEM CRÍTICA
Ariel Novodvorski (UFMG)
Professor de espanhol do ILEEL/UFU, Doutorando pela UFMG
Resumo: Este artigo objetiva analisar o momento de mudança social e discursiva, em relação ao espanhol no Brasil, caracterizado por um discurso mercantilista. São analisados exemplos tomados de notícias jornalísticas da Espanha, utilizando a Análise Crítica do Discurso (VAN LEEUWEN 1995; 1996) e a Gramática Sistêmico-Funcional (HALLIDAY e MATTHIESSEN, 2004), observando a representação dos atores e da ação social e sua realização lingüística.
Palavras-chave: espanhol no Brasil; discurso mercantilista; representação dos atores sociais; Análise Crítica do Discurso.
Abstract: This paper aims at analyzing the moment of social and discursive change, concerning Spanish in Brazil, characterized by mercantilistic discourse. One analyzes examples from journalistic news from Spain, using Critical Discourse Analysis (VAN LEEUWEN, 1995; 1996) and the Systemic Functional Grammar (HALLIDAY and MATTHIESSEN, 2004), observing the representation of social actors and action together with its linguistic realization.
Keywords: Spanish in Brazil; mercantilistic discourse; representation of social actors; Critical Discourse Analysis.
Introdução
Neste artigo é abordado o momento atual de mudança social e discursiva no Brasil, em relação à língua espanhola, se considerado o longo período de esquecimento e desprestígio vivenciado por essa língua, no sistema de ensino brasileiro. Em contraste com um passado não tão remoto, o momento atual está marcado por profundas mudanças de atitude diante do espanhol no Brasil, podendo citar, entre outros, sua inclusão no ensino médio, após a aprovação da lei 11.161, de 5 de agosto de 2005, que obriga as escolas públicas a se reestruturarem num prazo de cinco anos para oferecer o ensino de espanhol. Moreno Fernández (2005:18) caracteriza o início do século XXI como um momento de “bonança, auge e prestígio” para o espanhol no Brasil. Entre as justificativas sugeridas para enquadrar esse momento de mudança, são apontados a criação do MERCOSUL (Mercado Comum do Sul) e o processo de integração latino-americana (MORENO FERNÁNDEZ, idem; DAHER e SANT’ANNA, 1998; IRALA, 2004; MOITA LOPES, 1999).
O presente trabalho visa analisar criticamente, portanto, esse momento de mudança discursiva. Parte-se da observação que as notícias sobre a inclusão e importância do espanhol no Brasil, principalmente advindas da Espanha, costumam estar marcadas por fatores de índole econômica que sobressaem aos culturais ou da língua em si. Os exemplos a ser analisados são tomados de um corpus lingüístico formado por uma série de artigos jornalísticos publicados por El País (Espanha). Na contextualização, são apresentados alguns exemplos coletados da Folha de São Paulo (Brasil) e do Clarín (Argentina), com o intuito de enquadrar o momento a partir da visão desde outras perspectivas. Todos os textos correspondem a sua versão on-line e cobrem um período de dez anos (1998-2007). Esse corpus integra uma pesquisa ainda em andamento, portanto, não serão apresentadas conclusões em termos quantitativos.
O referencial teórico utilizado é o da Análise Crítica do Discurso (FAIRCLOUGH, 1989; 1992), enquanto metodologia aplicada à compreensão dos momentos de mudança e de problemas sociais vigentes, na tentativa de revelar opacidades discursivas, e a Gramática Sistêmico-Funcional (HALLIDAY, 1978; HALLIDAY e MATTHIESSEN, 1999; 2004), uma vez que oferece as categorias de análise necessárias, para entender o papel desempenhado pela língua na cultura e no mundo social. São analisados os padrões de representação dos atores e da ação social, mediante a aplicação das categorias sócio-semânticas propostas por van Leeuwen (1995; 1996), assim como as realizações lingüísticas dessas representações. Este trabalho é apenas uma leitura, dentre muitas outras interpretações possíveis, não se restringindo, em absoluto, a futuras contribuições.
- Contextualização
Segundo Moreno Fernández (2005:17), “a presença do uso e aprendizagem do espanhol no Brasil do último século, com exceção, talvez, das áreas mais ao sul, foi reduzida e marginal”. Esse autor também destaca o escasso interesse pelo estudo da língua e a pouca importância dada ao espanhol pelo sistema educativo brasileiro no século XX. Em contrapartida, o autor caracteriza o momento atual como um crescimento que considera “espetacular”, configurando uma situação “muito diferente” em suas palavras. Daher e Sant’Anna (1998:106), analisando a relação ensino/cultura, observam que, no passado, o espanhol estava marcado pelo “desprestígio social das manifestações culturais expressas nessa língua” e, na atualidade, pode-se observar um “vertiginoso crescimento da demanda pelo seu ensino”. Antes, o espanhol era uma língua de pouco prestígio social no Brasil e, agora, constitui-se em objeto de interesse.
Na tentativa de entender o modo como o espanhol conquistou esse prestígio no Brasil, nos últimos anos, Moreno Fernández (2005:18) menciona três fatos que considera de notável importância na vida econômica, social e cultural do país: a criação do Mercosul, a chegada de grandes empresas de origem espanhola e os estreitos vínculos comerciais com a Espanha. As causas mencionadas pelo autor somente se referem, como se pode observar, a fatores econômicos e de mercado, delineando, assim, o objeto desta pesquisa. Irala (2004:105-106) aborda a questão das justificativas que fazem referência ao MERCOSUL, para a obrigatoriedade do ensino de espanhol no Brasil, e menciona as notícias de otimismo divulgadas em jornais espanhóis. A autora afirma que, “sendo o Mercosul o ponto de referência, é no mínimo contraditório que a Espanha seja o país mais interessado na concretização da obrigatoriedade”.
Um artigo publicado pelo jornal argentino Clarín reforça as afirmações de Irala, ao adjudicar à Espanha o impulso da lei pelo ensino de espanhol no Brasil. O artigo, que se intitula “O idioma, um passaporte para ganhar mais dinheiro”, inicia da seguinte maneira: “BRASIL: AS VENDAS DE LIVROS EM ESPANHOL ALCANÇARIAM US$ 1,5 BILHÃO. Espanha chegou ao Brasil com sua indústria editorial e agora impulsiona uma lei para o ensino do idioma tal como se fala na Espanha. Argentina assiste de fora” (Clarín, 28/08/2000, grifos nossos).
Outros exemplos que ilustram o entusiasmo, na Espanha, pela aprovação da lei e conseqüente obrigatoriedade do ensino de espanhol no Brasil, registrado nos jornais da Espanha, do Brasil e da Argentina, podem ser observados nas seguintes manchetes: “Espanha descobre o petróleo da língua” (El País, 24/03/2007), “O Banco Santander ensina a falar espanhol no Brasil” (El País, 07/09/2006), “O Instituto Cervantes formará mais de 230.000 professores para que ensinem espanhol no Brasil” (El País, 13/07/2005), “No ensino de espanhol, dinheiro e prestígio entram em jogo” (Clarín, 15/11/2004), “Giro de capitais de América Latina, cinco séculos depois” (Clarín, 24/11/2006) e “Troca de dívida pode favorecer o ensino do espanhol no Brasil” (Folha de São Paulo, 14/10/2005).
Nos exemplos anteriores, torna-se notória a presença de um discurso marcadamente mercantilista, quando o assunto é o ensino do espanhol no Brasil. As escolhas lexicais denotam uma tendência promocional, quando associam a língua a petróleo, ao Banco Santander, a uma enorme quantidade de professores por formar, a dinheiro e prestígio, ao giro de capitais, ao favorecimento pela troca da dívida. O posicionamento da Espanha, como principal articulador dos processos, encontra-se legitimado nas ações dos exemplos citados: por ser quem descobre a riqueza da língua (petróleo), quem está autorizado a ensinar a falar espanhol no Brasil por meio de um banco, quem formará os professores por meio de seu Instituto Cervantes, assim como na expressão “cinco séculos depois”, que retoma um passado de conquista e colonização. Alguns desses exemplos serão retomados na seção de análise.
- Referencial teórico
No marco desta análise são utilizados, por um lado, os princípios da Lingüística Sistêmico-Funcional (LSF), na compreensão da linguagem como semiótica social (HALLIDAY, 1978), e, por outro lado, a Análise Crítica do Discurso (ACD), no entendimento da linguagem como prática social (FAIRCLOUGH, 1989; 1992). A linguagem e o contexto social, numa relação de mútua realização, e a língua como sistema e instituição social (HALLIDAY, 1978; MARTIN, 1992; 1997; EGGINS, 2004) são alguns dos princípios norteadores da LSF. A ACD se apropria desses fundamentos e alarga a análise para as relações opacas entre práticas discursivas, eventos e textos, por um lado, e estruturas sociais e culturais, por outro.
Segundo Fairclough (2001), os textos surgem de relações e lutas de poder, sendo formados ideologicamente. O uso da linguagem, nessas abordagens, tem por função construir significados, influenciados pelos contextos de situação e de cultura em que são negociados. Essa construção de significados é também um processo semiótico, enquanto significados construídos por oposição, entre as escolhas realizadas no sistema, e aquilo que poderia ter sido escolhido, mas que não foi. Nesse sentido, o uso da linguagem é, portanto, funcional, semântico, contextual e semiótico (EGGINS, 2004:3). Halliday (1978) aborda a linguagem como recurso semiótico e metafuncional, como um desenvolvimento especializado das necessidades sociais (1) de estabelecer relações interpessoais, (2) de representar as experiências externas e internas do mundo, e (3) de organizar as mensagens em forma de texto para a comunicação entre pares, possibilitando, assim, a participação em instituições.
Este artigo focaliza a representação da experiência no sentido hallidayano, isto é, o componente experiencial da metafunção ideacional, seguindo a proposta de análise crítica de van Leeuwen (1995; 1996), na observação de padrões de inclusão e exclusão de atores sociais. Esse autor elabora um inventário sócio-semântico de representação, tanto da ação social como dos participantes constituídos nos textos, para, depois de aplicar as categorias de análise, observar o padrão de realização lingüística. A justificativa para esse procedimento é que nem sempre a agência sociológica coincide com a lingüística. Van Leeuwen propõe um quadro de distribuição de papéis, apontando formas de encobrimento e supressão, segundo interesses e propósitos de legitimação em relação aos leitores a quem os textos se dirigem.
Seguindo Butt, Lukin e Matthiessen (2004) e as ordens dos sistemas propostas por Halliday e Matthiessen (1999), para que o espanhol se constitua significativamente na sociedade brasileira, há uma evolução pela que deverá transitar, indo do sistema físico ao biológico, acrescentando o valor vida, passando pelo sistema social, acrescentando o componente dos valores e chegando ao sistema semiótico em que se constroem os significados. Assim, a análise dos textos produzidos, nesse processo de construção de significados, proporciona uma mostra do modo como são realizados pela semântica os contextos de cultura e de situação, e, passando pelo estrato da léxico-gramática, do modo como os significados são materializados na escrita.
- Análise
A seguir, são analisados alguns exemplos, tomados de um corpus jornalístico de notícias on-line, que abordam a questão do espanhol no Brasil e ilustram o foco desta pesquisa. Em primeiro lugar, aplicam-se os princípios da TRANSITIVIDADE na análise do componente experiencial, tal como postulados por Halliday e Matthiessen (2004), para depois estabelecer um contraste com a análise pela abordagem crítica de van Leeuwen (1995; 1996).
Exemplo 1. “El español se abre paso en Brasil. El idioma español se extiende vertiginosamente por Brasil, impulsado por los vientos de la globalización, por el proceso de integración latinoamericana y por el vigoroso ingreso de capitales españoles en el país” (El País, 19/08/1998).
O fragmento apresenta três processos (“abre”, “extiende” e “impulsado”), todos materiais, pois dizem respeito ao fazer no mundo, relacionando participantes e circunstâncias. O processo “abre” relaciona um ator, “El español”, a uma meta, “paso”, e a um beneficiário da ação, “se”, o próprio espanhol, pois “se abre paso” (a si mesmo). O grupo preposicional “en Brasil” configura uma circunstância locativa de lugar na oração. O processo seguinte, “extiende”, relaciona os participantes “El idioma español” (ator) e “se” (meta), ele mesmo. Há duas circunstâncias: o grupo adverbial “vertiginosamente” é o modo como o idioma se estende, e o grupo preposicional “por Brasil” é o lugar onde isso ocorre. O processo seguinte, no fragmento, é “impulsado”, que se encontra na voz passiva, articulando, elipticamente, “el idioma español”, que funciona como meta, e os atores “los vientos de la globalización”, “el proceso de integración latinoamericana” e “el vigoroso ingreso de capitales españoles”. “En el país” (Brasil), como nos casos anteriores, configura uma circunstância locativa de lugar. Ainda é possível observar a ocorrência de duas metáforas gramaticais. Seguindo a perspectiva hallidayana, “proceso de integración latinoamericana” e “ingreso de capitales españoles” seriam realizações metafóricas de outras formas que o autor considera mais congruentes (“Latinoamérica se integra” e “capitales españoles ingresan”).
Criticamente, segundo a abordagem de van Leeuwen (1995:90), é interessante a distinção entre ações afetando pessoas, por um lado, e outro tipo de “coisas”, por outro. Esse autor destaca a importância de notar, na análise, quais participantes se encontram ativados, quais apassivados e em que contextos. Aplicando ao mesmo exemplo anterior as categorias propostas por van Leeuwen, podem-se observar algumas divergências em relação à análise gramatical pela TRANSITIVIDADE. O ator social español é representado, por ativação, nas formas “El español” e “El idioma español”, e, por apassivação, na forma “capitales españoles”, por ser um pós-modificador de “capitales” que, por sua vez, é pós-modificador de “ingreso”. Também o participante Latino América, em sua ocorrência “integración latinoamericana”, encontra-se apassivado pela mesma razão do caso anterior, funcionando como um pós-modificador de “integración” que pós-modifica, por sua vez, “processo”.
Comparando os atores sociais “latinoamericana” e “españoles”, em “integración latinoamericana” e “capitales españoles”, percebe-se que, apesar de ambos estarem apassivados, o ator “españoles” possui mais agenciamento que “latinoamericana”, por integrar como atributo de “capitales” um grupo preposicional que pós-modifica o nome processual “ingreso”, estando ligado, assim, à ação material de ingressar no país (Brasil). Os casos de “integración” e de “ingreso” são categorizados, também, como ações materiais por Van Leeuwen, só que realizadas por grupos nominais. A primeira é interativa, pois envolve atores humanos na transação, e a segunda é uma não-transação, pois os capitais espanhóis simplesmente ingressam. O ator social Brasil está representado, em suas três ocorrências, “en Brasil”, “por Brasil” e “en el país”, por apassivação e circunstanciação.
Outra categoria de análise é a associação, caracterizada por grupos de atores sociais representados como aliados num mesmo propósito ou atividade. No exemplo anterior, “globalización”, “integración latinoamericana” e “capitales españoles” são representados por associação, na atividade de impulsionar o idioma espanhol no Brasil. Van Leeuwen (1996:40) analisa que os processos de agenciamento também podem ser realizados por adjetivos. Por exemplo, poder-se-ia perguntar quem é que julgaria ser “vigoroso” o ingresso de capitais espanhóis no Brasil. Na realização pelo grupo adverbial, também caberia a mesma pergunta para “se extiende vertiginosamente”. Quem estaria julgando que a extensão do espanhol no Brasil acontece “vertiginosamente”?
Exemplo 2: “El español conquista Brasil” (El País, 08/05/2000).
A escolha deste exemplo ocorre em função de ilustrar a categoria sobredeterminação por simbolização. A ação material de conquistar está sobredeterminada, na medida em que participa de duas práticas sociais, legitimando ambas. Por um lado, no momento atual, a língua espanhola conquista, agrada, seduz os brasileiros; por outro lado, a escolha do termo “conquista” não é aleatória, remete a um passado de conquista e colonização, de avanço no território, só que hoje realizado pela língua espanhola. Essa sobredeterminação ocorre por simbolização, pois “conquista” também simboliza um passado mítico, segundo van Leeuwen (1995:100), um passado de conquista já transformado em mito, aliás, um mito bastante questionado na atualidade.
Exemplo 3: “El Banco Santander enseña a hablar español en Brasil” (Cinco Días – El País, 07/09/2006).
Este exemplo configura outra ocorrência de sobredeterminação, mas, desta vez, quem se encontra sobredeterminado é o ator social Banco Santander. Ao ser representado numa prática social para a qual o ator não está qualificado (um banco não se dedica a ensinar línguas estrangeiras), há uma situação de inversão por desvio, segundo van Leeuwen (1996:64-65). O Banco Santander está sobredeterminado, sendo legitimadas suas ações tanto no âmbito financeiro como em suas intervenções no que diz respeito ao ensino de espanhol no Brasil. Provavelmente, a intenção do autor do texto seja que os leitores reconheçam o esforço do Santander pelo ensino do espanhol no Brasil. Isso é realizado por meio de uma inversão na caracterização do banco, desviando a atenção para outro foco de ação, apresentando-o como autorizado a desempenhar uma função diferente da que corresponde a um banco. Quem lê poderia pensar que aprender a falar espanhol, no Brasil, é uma atividade mediada pelo banco.
Exemplo 4: “Se necesitan profesores de español. César Antonio Molina, director del Instituto Cervantes, asegura que satisfacer la demanda de aprendizaje exigirá la formación de cientos de miles de profesores de español (…). El gobierno brasileño calcula que sólo en el Estado de São Paulo habrá que formar a unos 210.000 profesores para ofrecer la opción del español en toda la educación secundaria (…). El Banco Santander financiará la formación de parte de estos profesores” (El País, 24/03/2007).
Neste último exemplo, são analisadas algumas categorias propostas por van Leeuwen e ainda não mencionadas. César Antonio Molina é nomeado por semi-formalização, pois são citados seus nomes e sobrenome. Também é titulado por honorificação, ao ser apresentado como diretor do Instituto Cervantes. O Instituto Cervantes, o Governo Brasileiro e o Banco Santander estão especificados por individualização; mas, é importante observar que esses atores participam de ações diferentes no exemplo. O Instituto Cervantes é legitimado pelas afirmações de seu diretor, cujos comentários sobre a situação do espanhol no Brasil são inseridos no texto, provendo um caráter de autoridade. O Banco Santander é o ator na ação material de financiar a formação de parte dos professores. Já o Governo brasileiro, ao calcular a quantidade de professores que serão necessários, é representado como experienciador num processo mental (uma reação mental cognitiva, nos termos de van Leeuwen, 1995).
Os professores, neste exemplo, estão assimilados e representados por agregação, isto é, são tratados como um número, quantificados em expressões como “cientos de miles de profesores”, “210.000 profesores” e “parte de estos profesores”. Ainda cabe observar, neste último exemplo, o apagamento de beneficiário que ocorre em “la demanda de aprendizaje exigirá la formación” e o encobrimento do ator em “en el Estado de São Paulo habrá que formar a unos 210.000 profesores”. O beneficiário no processo “exigirá” e o ator em “habrá que formar” não se encontram nessas orações, como para completar os significados dessas ações. Mas, essa exigência da formação vai para quem? Quem é exigido? A quem caberá formar os professores? A resposta não se encontra muito longe: apesar dessas supressões, em outro lugar do texto, os atores incluídos e ativados já assumem essa tarefa.
Conclusão
Os exemplos apresentados neste artigo delineiam o que entendemos como um momento de promoção do espanhol no Brasil, marcado por um discurso fortemente mercantilista. As questões econômicas são recorrentes e, freqüentemente, sobressaem às culturais ou da língua em si. Estando as escolhas lingüísticas atreladas à construção de significados, tal como apontado na descrição do quadro teórico, não acontecem, gratuitamente nos textos, expressões como “petróleo da língua”, “Troca da dívida pode favorecer o ensino de espanhol no Brasil”, “O Banco Santander ensina a falar espanhol no Brasil”, “O idioma, um passaporte para ganhar mais dinheiro”, entre outros.
O jornal espanhol El País tem acompanhado e noticiado o processo prévio e posterior à aprovação da lei sobre a obrigatoriedade do ensino de espanhol no Brasil. Diversos artigos entusiastas foram publicados sobre o assunto, construindo, nos textos, a representação do que significa para Espanha essa situação de inserção do espanhol no Brasil. O jornal argentino Clarín considerou, em uma de suas edições (28/08/2000), que Espanha teria chegado ao Brasil com sua indústria editorial e que “agora impulsiona uma lei para o ensino do idioma”.
Este trabalho proporcionou a contextualização do momento em que se discute a inserção do ensino de espanhol no Brasil, e a análise de alguns exemplos que ilustram tanto o foco e a pertinência desta pesquisa, como a aplicabilidade do referencial teórico apresentado. A análise realizada é apenas uma leitura crítica de um momento de mudança social e discursiva em torno do espanhol no Brasil, como já foi mencionado, não constituindo a única interpretação possível, nem se fechando a futuras contribuições.
Na análise, o espanhol foi representado, principalmente, pelo papel de ator, em processos materiais, representado por ativação; enquanto que o Brasil foi construído, quase na totalidade das vezes, como uma circunstância, um lugar a ser ocupado. Os professores foram representados como um dado estatístico, um número, sempre quantificados. Em função do exposto, podemos concluir, junto com Del Valle e Villa (2005:226), que nos encontramos diante de um momento de política lingüística de promoção do espanhol no Brasil, de cunho mercantilista, cabendo a necessidade de um olhar mais crítico para vislumbrar os interesses de poder disfarçados, principalmente, quando apresentados sob uma máscara de naturalidade.
Referências
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Acesso em 24 de maio de 2006.
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Nossa tradução de: “la presencia del uso y aprendizaje del español en el Brasil del último siglo, exceptuando talvez las áreas más sureñas, ha sido reducida y marginal”
Nossa tradução de: “El idioma, un pasaporte para ganar más plata. BRASIL: LAS VENTAS DE LIBROS EN ESPAÑOL ALCANZARÍAN US$ 1.500 MILLONES. España llegó a Brasil con su industria editorial y ahora impulsa una ley para la enseñanza del idioma tal como se habla en España. Argentina lo ve desde afuera”.
Nossa tradução de: “España descubre el petróleo de la lengua”, “El Banco Santander enseña a hablar español en Brasil”, “El Instituto Cervantes formará a más de 230.000 profesores para que enseñen español en Brasil”, “En la enseñanza del español se juegan plata y prestigio”, “Giro de capitales de América Latina, cinco siglos después”.
[…] – O discurso mercantilista na difusão do espanhol no Brasil: Uma abordagem crítica, de Ariel Novodvorski (https://espanholdobrasil.wordpress.com/2009/10/28/o-discurso-mercantilista-na-promocao-do-espanhol-no…) […]