No último dia 09/08, o jornal O Globo publicou na coluna Gente Boa, uma nota intitulada Nosotros y Hermanos, falando sobre a obrigatoriedade do ensino do espanhol. No entanto, termina com a seguinte pérola: “A coluna torce para que seja o espanhol de Cervantes, e não o de Maradona.”
Uma série de textos de repúdio foram escritos por professores e associações de professores de espanhol de diversos lugares do país. Reproduzimos abaixo algumas dessas cartas destinadas tanto ao jornal quanto ao jornalista. (Todos os textos a seguir foram publicados pelos respectivos autores na lista de discussão do ELEDOBRASIL).
O blog pede que outros professores, que assim como nós, se sentiram ofendidos com a nota do jornal também se manifestem tanto aqui quanto nas vias de comunicação do jornal e do próprio jornalista.
Seguem os textos de repúdio:
Prezados colegas,
A Associação de Professores de Espanhol do Estado do Rio de Janeiro (APEERJ) iniciou, recentemente, uma campanha de incentivo a denúncias das escolas que não estejam cumprindo a lei federal 11.161/05, que determina a oferta obrigatória do espanhol no Ensino Médio e cujo prazo de implantação terminou no último dia 5 de agosto.
No entanto, vimos a público manifestar nossa enorme indignação diante da nota publicada no dia de hoje (09/08/2010) na coluna Gente Boa do Jornal O Globo. Lamentavelmente, o comentário do colunista “a coluna torce para que seja o espanhol de Cervantes, não o de Maradona” reproduz um arraigado preconceito lingüístico que insiste em atribuir ao povo hispano-americano um lugar depreciativo. Os professores de espanhol lastimam a opinião da coluna que, indubitavelmente, não reflete o esforço que nós, educadores, há muitos anos, dedicamos não somente à implantação do ensino de espanhol nas escolas brasileiras, mas, sobretudo, à construção do respeito à diversidade lingüística e de uma visão de mundo mais justa em relação à cultura latino-americana.
Atenciosamente,
Diretoria da APEERJ
Biênio 2008-2010
_______________________________________________________
Na sua edição de 09/08/10, o jornal O Globo publicou uma nota na coluna “Gente boa”, digna do repúdio de todos os brasileiros e, sobretudo, de todos nós, educadores. A nota contém um nível de preconceito que vai na contramão de tudo o que se espera de uma sociedade decente, ética, respeitosa, estimula rivalidades ridículas e fere normas básicas de conduta. Vai no sentido contrário do respeito à diversidade e do saudável convívio com a diferença. Também contraria todos os interesses no sentido de uma integração regional, que precisa ir muito além do âmbito comercial. Meus pêsames a um jornal que estimula isso nos seus leitores! É triste e lamentável! Tanto se fala em educação, tanto se cobra dos governos para que ela seja de qualidade e a dita imprensa “livre” se manifesta dessa forma deseducadora. Essa “liberdade” é tão nociva quanto a pior das censuras. Meu repúdio veemente e envergonhado por saber que existem “jornalistas” e “jornais” que atuam nesse sentido, revelando o pior lado da nossa imprensa e de muitos de nós. Espero que O Globo se desculpe publicamente.
Profa. Dra. Neide Maia González
FFLCH/USP
Representante da área de Língua estrangeira na Comissão Tpecnica do PNLD para o Ensino Fundamental
MEC/SEB/COGEAM
Professora de Espanhol
EDUCADORA
_______________________________________________________
Manifesto minha mais profunda indignação diante do comentário infeliz, preconceituoso e retrógrado do colunista desse jornal. É inacreditável que, no contexto multiculturalista em que vivemos, ainda haja meios que se prestam a veicular valores tão perniciosos, que tanto dano e atraso já causaram e causam, em relação ao imaginário e à realidade da língua/cultura espanhola no Brasil.
Lutamos por uma realidade de integração entre os povos, em prol da diversidade. O comentário do jornalista incita à discriminação, à exclusão. Aqui não se trata de um jogo de futebol, de ficar nesta ou naquela torcida. Há uma lei sobre o ensino de espanhol no Brasil e que precisa ser cumprida. Falamos em exercício da cidadania, como estou fazendo agora.
Aguardo uma retratação pública e urgente do jornal.
Sou professor de espanhol da Universidade Federal de Uberlândia – MG e somo meu protesto ao dos/as demais colegas que já se manifestaram.
Ariel Novodvorski
________________________________________________
Sou professora de espanhol e venho manifestar meu veemente protesto ao comentário publicado em sua coluna no jornal O Globo (09/08).
Lamento profundamente seu desconhecimento e declarado preconceito linguístico e cultural. Um jornalista deveria pensar muito antes de tornar público o seu pensamento, neste caso, deformado.
Imagine se em outros países um jornal publicasse ideia semelhante: que é preferível aprender o português de Camões a aprender o de Pelé.
Exatamente no momento em que a comunidade de professores de espanhol no Brasil vem lutando arduamente pela a implantação digna do espanhol no Ensino Básico, defendendo, entre outras coisas, o reconhecimento e respeito pelos diferentes povos que falam essa língua, o senhor declara sua opinião estapafúrdia. Teria sido melhor ficar calado.
—
Elzimar Goettenauer M. Costa
Professora de Espanhol
http://www.letras.ufmg.br/profs/elzimar/
FALE – UFMG
___________________________________________________________
Sou professor de língua espanhola na Universidade Federal Fluminense, natural da Espanha e assinante do Globo, e quero manifestar o meu repúdio mais veemente ao comentário preconceituoso com a minha língua, com a América Latina em geral e com a Argentina em particular, que tive a desgraça de ler no dia de 9 de agosto na seção Gente Boa desse jornal.
O ensino de língua no Brasil guia-se pelo princípio do respeito à diversidade e pela valorização de todos os falares. A implantação responsável da língua castelhana no currículo das escolas brasileiras deve servir precisamente para acabar de vez com o preconceito que essa coluna difunde de forma irresponsável. A língua de Maradona é, na sua diferença, a mesma de Sarmiento, Borges e Cortázar, de Cervantes, García Márquez, e Ramón María del Valle-Inclán, é a minha própria língua e a do mais humilde falante do universo hispânico.
Acho lamentável que um jornal tão importante como esse, fazendo uma piada preconceituosa e de mau gosto, desperdice mais uma oportunidade para se somar à cultura linguística do respeito à diversidade que os profissionais do ensino tentamos construir.
Xoán
_________________________________________________________________
Sou professora de espanhol da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, assino o jornal O Globo e costumo ler essa coluna. Em relação ao dia 09/08, li um comentário que me indignou porque indica preconceito e ignorância sobre a língua espanhola ser “melhor” se vem de uma determinada região/país ou de outra. Cada país, e internamente a ele cada região, tem seu modo de apropriar-se de sua língua e isso faz com ela seja parte da expressão da cultura desse povo.
É inadmissível que uma coluna do jornal O Globo exponha ideia tão desagradável para todos nós brasileiros. Como professora que forma futuros professores de espanhol contra todo tipo de discriminação, essa coluna representa o que não desejamos para nossa visão de língua e ensino de língua.
Espero que o responsável da coluna possa publicar um pedido de desculpas pelo desacerto.
Cordiais saudações
Vera Sant’Anna
_______________________________________________________
Sou professora de Literatura Espanhola e Tradução na Universidade Federal de Santa Maria (RS) e, diante da infeliz observação desta coluna no dia 09/08/2010, venho manifestar meu repúdio à postura depreciativa e preconceituosa com que O Globo se refere ao ensino da Língua Espanhola no Brasil.
É lamentável que um jornal que se quer responsável e respeitável veicule afirmações tendenciosas e simplistas, demonstrando desconhecer que a aprendizagem de uma língua estrangeira e de sua respectiva cultura – seja ela qual for – , tem como premissa fundamental despir-se de todo e qualquer preconceito e perceber que a diversidade é um fator de acréscimo a esta mesma aprendizagem, tornando o indivíduo mais tolerante e menos narcisista.
Lamento veementemente que ainda haja espaço na imprensa nacional para tais manifestações anacrônicas e irresponsáveis.
Solicito retratação.
Obrigada,
Profa. Dr. Luciana Ferrari Montemezzo
UFSM
_______________________________________________________
Prezados senhores e prezado Joaquim Ferreira dos Santos:
A Associação de Professores de Espanhol de Minas Gerais se une a outras associações de professores de espanhol do país e a diversos educadores que se manifestaram em repúdio ao comentário infeliz sobre o ensino de espanhol veiculado em 9 de agosto de 2010.
Em Minas Gerais também esperamos um pedido de desculpas público deste jornal, já que o que defendemos sempre é um respeito à diversidade de povos, línguas e costumes – que é o que deveria fazer parte também da conduta dos profissionais de um veículo tão importante como O Globo.
Prof. Dr. Eduardo Amaral
Associação de Professores de Espanhol de Minas Gerais
_______________________________________________________
Prezado senhor,
Na condição de professor de Literatura Espanhola, exercendo minha profissão há 42 anos no Brasil, minha pátria de adoção, não posso omitir-me perante a sua infeliz manifestação em sua coluna Gente Boa, no jornal O Globo, na data de ontem. Estabelecer hierarquias qualitativas entre as modalidades da língua falada em diversos países revela uma falta de conhecimentos básicos com relação a que seja um idioma. Mas quando essa distinção é feita opondo indivíduos, como Cervantes e Maradona, o fato constitui uma grave discriminação. A infelicidade de sua colocação agrava-se na medida em que os habitantes de nosso país precisam conhecer as modalidades da língua dos nossos vizinhos, especialmente as daqueles por diversos motivos mais próximos, para que possamos progredir no processo de integração por todos nós almejado. Mais ainda, é preconceituosa sua manifestação, com relação a um futebolista que fala a língua que os argentinos falam, modalidade da língua em que escreveu Cervantes, mas que é a mesma língua. Isso revela uma intolerância que, aliás, seria desastrosa se aplicada em termos práticos. Basta pensar num exemplo paralelo, já colocado por uma colega nos numerosos recados que sua manifestação provocou na Internet: os argentinos não deveriam estudar a língua de Pelé e sim a de Camões…
Convido o senhor a se manifestar em sua coluna, pedindo desculpas aos leitores de O Globo, a Maradona, aos argentinos e a Cervantes. Aliás, porque Cervantes escreveu o melhor manual de tolerância que eu conheço, Dom Quixote de la Mancha, uma de cujas melhores traduções ao português foi feita, no Brasil, por um argentino. O senhor deveria lê-lo.
Cordialmente,
Prof. Mario M. González
Professor Titular de Literatura Espanhola
Universidade de São Paulo
_______________________________________________________
Sr. Jornalista responsável pela coluna “Gente boa”
Sou professor na Universidade de São Paulo, na área de língua espanhola. Uma das disciplinas que com mais freqüência ministro tem a ver precisamente com a variação em espanhol, a existência ou não de “espanhóis” de regiões, classes, etc.
A absoluta falta de informação mais elementar levou o senhor a enunciar a existência de um “espanhol de Cervantes” e outro que, imagino que figurativamente, denomina “de Maradona”, que deveria ser evitado. Como especialista só posso lhe pedir que se informe um pouco, porque nenhuma dessas entidades que o senhor imagina têm algo a ver com a realidade da variação na língua espanhola. Mas como cidadão, me permito realizar algumas perguntas para colaborar com a explicitação pública de sentido que tencionou transmitir na sua expressão de desejos.
Podemos supor que, ao contrapor Cervantes com Maradona, o senhor quis dizer que espera que se ensine o espanhol, de pessoas cultas e não de ignorantes. Ora, o senhor não conhece alguma pessoa culta, dentre as centenas de milhares de seres que falam espanhol no mundo, que não tenha morrido há quatro séculos? Tão limitado é seu conhecimento, que precisa mencionar alguém cuja fala faz parte de um passado tão remoto? E como é que uma disciplina escolar, necessariamente ministrada por professores, pessoas escolarizadas, poderia difundir a fala dos ignorantes? Ao que é que o senhor quer se referir realmente?
Seu desejo é que se ensine a língua “dos espanhóis” e não a “dos argentinos”? Embora como especialista eu saiba que essas duas também não existem, se essa foi sua intenção, e dado que parece estar preocupado pelo ensino, convido-o a conhecer indicadores educativos da Argentina. Mesmo com o deterioro das últimas décadas, ainda hoje alguns desses indicadores poderiam ser boas metas para alguns segmentos da nossa população escolar. E o que é que o senhor conhece sobre a cultura argentina, sobre suas realizações em matéria de artes, ciências, cidadania? Faz idéia, por exemplo da trajetória e do volume de cooperação científica e tecnológica que o Brasil mantém com esse país? Os responsáveis por essas áreas nos governos nacional e estaduais, incluso os da oposição, têm isso bastante presente, daí que a cooperação tenha se intensificado em múltiplos acordos bilaterais. Informe-se. Por enquanto, eu enviei sua matéria ao Consulado Geral da Argentina em São Paulo. Espero que o jornal, responsável por publicar suas palavras, tenha alguma resposta, se for solicitada.
Ou será que o senhor queria expressar o anseio de que se ensine uma língua de europeus, não de latino-americanos. Acaso o Brasil é parte da Europa? Sua população, sua cultura, fazem pensar nesse arraigo? Ou o senhor prevê que o Brasil será integrado na União Européia? Sr. Jornalista, sabia que, devido aos acordos vigentes de integração regional, os brasileiros podem se estabelecer em países vizinhos, trabalhar e estudar neles sem visto prévio? Tem noção de quantos estudantes brasileiros têm aproveitado essas oportunidades, de quantas empresas brasileiras as aproveitam para deslocar técnicos para esses países? E acaso isso acontece com os brasileiros na Europa? O senhor sabe quantos brasileiros são barrados querendo entrar, mesmo como turistas, na terra “de Cervantes”?
Por último, no caminho das hipóteses, saiba que sua contraposição também pode ser entendida como querendo frisar que se ensine uma língua de brancos (como o senhor deve supor que foi Cervantes) e não de mestiços (como é Maradona). Se assim foi, prefiro não mais perguntar.
E se não foi nada disso, poderia esclarecer o que quis dizer? E se nada quis, pelo menos, reconhecer que, como tantas vezes aconteceu com Diego Maradona, melhor era ficar quieto.
Prof. Dr. Adrian Pablo Fanjul
Universidade de São Paulo
Read Full Post »